sábado, 8 de junho de 2013

É o Tchan: O charme de Salvador

Por T.S

 Nível Intermediário II

É o Tchan: O charme de Salvador

Devo começar este post por escrever que sou gringo, venho de fora, e passei um ano inteiro aqui.

Na minha universidade nos Estados Unidos, temos bastante brasileiros. Todos são ricos e são gaúchos, paulistas ou cariocas. São filhos de diplomatas ou engenheiros. Quando eu lhes disse que ia fazer intercâmbio no Brasil, me perguntaram na qual universidade em São Paulo eu ficaria. Ao eu dizer que eu ia para Salvador da Bahia, os rostos deles furaram, me perguntando por que eu iria lá.

“Sô tem Carnaval!”
“Pra que você vai lá? Tem nada.”
“Eles gostam de roubar ali. Perigosa, aquela cidade.”
“São mal-educados!”

E, para ser honesto, esses brasileiros tão preconceituosos tiveram razão. Esta cidade se vende como se somente tivesse Carnaval. Até os próprios baianos, ao saberem que passei Carnaval aqui, me perguntam se gostei de Carnaval. Eles se esquecem das outras cinqüenta e um semanas que passei nessa cidade, e se enfocam numa semana só, como se fosse a única que prestará na minha lembrança. Por ser a terceira cidade brasileira por população, não tem tantas coisas para fazer. Eu plenamente nego a vista que “tem nada”, mas haverá sim dias onde você vai fazer absolutamente nada, por falta de diversão (ou perigo). Existe uma cultura tão forte de praia, que isso é o que fazemos quando não tivermos nada para fazer.

Essa cidade? Perigosa? MUITA. Graças a Deus, nunca fui roubado, espancado ou mexido enquanto fiquei em Salvador, mas pessoas demais não têm tal sorte. Em frente dos meus próprios olhos, vi pessoas sendo roubadas. Vi brigas entre viciados da rua, vi gringos e brasileiros tentado a comprar adolescentes/crianças para “comer”, por que nessa cidade, a cidade de Carnaval, “pode tudo.” Essa cidade pode ser suja, podre, DURA. Essa cidade me faz lembrar uma frase dita por Antônio Carlos Jobim. Disse:

“Brasil não é para principiantes”

O país é um jogo duro. Imagine o coração dele, o início dele..!

Mas, através de tudo, eu fui. E eu amei. Amei mais que palavras, sejam inglesas ou portuguesas, podem descrever. A única outra cidade que me faz sentir assim é Nova Iorque, e isso é por que é a minha cidade-natal.

 Nem posso dizer direito por que, pois quando tento a explicar, as razões parecem tão à toa. Agora, estamos no tempo de chuva, então a cidade fica molhada de chuva. Mas espere aí. Daqui a pouco há sol, sol e mais sol. Clima influencia pessoas. As roupas aqui são mais coloridas, por que o clima e a natureza aqui brilham com tanta paixão. Sempre tem barulho –de que gosto- por que o tempo permite pessoas ficarem fora da casa por mais tempo. O clima aqui faz a cidade brilha num jeito que os paulistas e os gaúchos, que SEMPRE vêm para aqui para passarem Carnaval, só podem desejar por as cidades deles.

Pessoas acham que baianos são exagerados, usando palavras esquisitas e únicas à cidade. E baianos são. Baianos não gostam de rir, gostam de MORRER de rir. Não gostam de dançar, preferem SACUDIR a praça. Não gostam de sair com alguém, preferem muito mais a namorar, ficarem plenamente apaixonados. Baianos não andam nessa vida, eles pulam, rebolam, correm, gingam, choram e gritam até o fim da corrida. Brasileiros têm o estereótipo de terem mais “calor humano” que, por exemplo, Americanos. Não concordo. Os gaúchos são BEM mais afastados, também os paulistas, mineiros e tal. Mas, baianos são diferentes. Só aqui, nesta cidade “cheia” de mendigos, ladrões e tristeza, que vejo pessoas segurando as coisas das outras no ônibus. Geralmente, quando alguém está em pé no buzú, um sentando vai oferecer segurar as coisas que aquele em pé está mantendo. Isso aqui é incrível, e diz muito sobre o povo baiano.


Essa cidade tem história. Muita história. A primeira capital desse país tão grande e poderoso. O berço de samba, o gênero musical brasileiro que sempre é destacado, mais que qualquer ritmo de sertanejo mineiro pode tentar a ser. Apesar do que os cariocas pensam, a corte portuguesa passou por Salvador primeiro, ANTES da “Cidade Maravilhosa.” O primeiro elevador brasileiro? É aqui. O início de miscigenação brasileira, uma coisa pela qual o Brasil tem orgulho, começou aqui. É difícil negar tão importante essa cidade é pelo país. Quando Getúlio Vargas, o ditador brasileiro, começou a vender o Brasil ao mundo, ele usou duas cidades: Rio de Janeiro, a então-capital e a então-cidade mais populosa, e Salvador da Bahia.

Sei que esta cidade tem problemas. Problemas graves que temo que não vão ser acertados. Corrupção aqui é tão implantada que faz parte da cultura, as ruas fazem sentido nenhum e é mais fácil achar craque na esquina que pegar um dos ônibus tão sujos e lotados. Esta cidade sofre racismo como nunca vi noutras cidades. Eu, tão escuro que sou, é “moreno” por ser educado e com dinheiro, pois negro aqui tem...sentidos. Mulheres são tratadas como se fossem feitas para sexo somente, e se você é loira, meu Deus. Educação aqui...Já chega. Esta cidade fede quando chove, fede quando tem sol, fede quando EXISTE. Pessoas jogam lixo na rua, prejudicando uma cidade com tanto potencial. Ninguém quer ficar aqui, todo mundo quer ir para o Rio, São Paulo, Minas Gerais ou até fora do país. Por quê? Realmente não tem muito aqui. Praças como Campo Grande, que podem ser lindas e lugares para encontrar os seus amigos, viram perigosas a qualquer momento, mesmo que a polícia se situe na esquina da Praça de Campo Grande. Essa cidade é muito carente e entendo se alguém sai de lá odiando. 


Mas essa cidade tem tchan. Tem uma coisa que ninguém pode descrever direito. Todo mundo gosta de ver uma baiana dançando samba. Todos nós queremos ir para Praia de Itapuã, para passar um dia fazendo absolutamente nada. Gostamos de pegar um buzú de Campo Grande até Cidade Baixa, só para ver a vista da baía, que até baianos velhos gostam de se reparar e ver. Quem não gosta de bater-papo com aquelas baianas de acarajé? E quando tem Carnaval, todo mundo –Baianos, Paulistas, Ingleses, Americanos, Chineses, Mexicanos- cantam essas letras:


Ah, que bom você chegou


Bem-vindo a Salvador

Coração do Brasil (do Brasil) 

Vem, você vai conhecer

A cidade de luz e prazer

Correndo atrás do trio 



8 comentários:

  1. Menino de Nova Iorque, que texto lindo! Fiquei muito emocionada. Quando ouço esta música "Ah , que bom você chegou...", meu coração dispara, meus olhos ficam cheios de lágrimas e chego a pensar "aqui é o melhor lugar do mundo". Viva o carnaval! Viva essa magia!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Muito lindo,amei! Suas expressões são férteis! A parte de ônibus, eu também me sinto estranha.. Quando fica lotado eles sempre me perguntam se segurar a minha mochila. No início , achava que era um tipo de roubar, será? Mas não era.
    É uma cidade misteriosa..

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  4. "Binha (bem lembrado, Rebecca), aproveite o carnaval, deixe para pensar na desigualdade depois do carnaval, viu?! É só uma dica, viu?! " Acho que foi mais ou menos assim o conselho que ele me deu na aula. Rs
    Vai voltar para Nova York e vai sentir falta do nosso 'oxente' e da nossa 'binha'.

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  5. Concordo com algumas das suas impressões. Salvador tem algum chârme sim, que é dificil explicar, como tem carências inacreditáveis. Mas, tem melhorado nos últimos 15 anos ou mais. É uma cidade brutalmente injusta. O 20% mais acomodado da população vive com apenas 480 reais por mês, ou seja, 240 dólares. É só ver os valores dos seguros de saúde para saber que quase um 90% da população tem um acesso precário a algo tão fundamental.
    A solidaridade no ônibus, que eu também experimento com sorpressa, pois contrasta com a violência cotidiana, parece ser um efeito da solidaridade que gera a pobreza. Ao inves da prepotência e o mínimo cuidado que os automovilistas tem com quem caminha pela rua.
    A respeito da sexualidade e a tolerança com o sexo, acho que o que existe mesmo em Salvador é que as mulheres gostam e disfrutam mais do sexo e do erotismo. E isso, não é um problema, mas um sinal de cultura que podemos contrapôr a prostituição, ainda que possa ser confundido. Segundo as estatisticas, a maior quantidade de prostitutas por homes existiu na Inglaterra vitoriana, ou seja, puritã. Imagino -seguindo a interpretação de Freud- que foi um efeto da moral que precisava a acumulação de capital requerida pelo capitalismo financeiro imperial. Pelo mesmo, a cantidade de histéricas quase producidas industrialmente (e que na idade méia eram quemadas por mentirosas). Felizmente, Freud consegue comprender o drama dessas mulheres e percibir que não mentiam, senão que produto da moral vitoriana fabulabam agresores na sua mente desejante.
    W.P.

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  6. Adorei seu texto, binha! Concordo completamente com seus pensamentos. Adoro essa cidade para razões que não posso explicar, mas ao mesmo tempo, tem coisas que não entendo e queria mudar, tipo as problemos que você mencionou - drogas, o lixo no chão, racismo, tratamento da mulher, etc. Mas, como não é possível para replicar o brilho e o caráter desta cidade em outros lugares, não é possível se livrar de todos as coisas ruins. É uma balança...e tenho muito admiração para baianos pelo fato que eles têm a maior quantidade de alegria do mundo além da corrupção da cidade deles. Eles verdadeiramente amam e aproveitam vida e eu acho que isso é como deveria ser.

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  7. Também recebi muitos comentários antes de vir para cá, dos brasileiros que eu conheço. O tipo de comentário que disse, ao melhor, "ah, sim, isso vai ser uma experiência bem CULTURAL". Quem sabe o que é isso? Cultural. Só. Agora eu sei. Cultural significa difícil, forte, e LINDA. Gostei do post!
    L.P.

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  8. Gostei muito deste texto que descreve, em pormenor e talento, a atmosfera geral de Salvador. O autor consegue a nós fazer ressentir o que todos já ressentiram, especialmente quando se trata dos problemas da cidade. Sobre os aspectos positivos, que são geralmente ligados com a atmosfera festiva da cidade, a minha experiência aparece um pouco diferente (menos intensiva) do que o texto apresenta.
    De fato, se eu fosse mais jovem, eu provavelmente iria dizer que, apesar de todos os problemas, eu adoro Salvador : a excitação da viagem, a novidade, o clima tropical, as praias, a comida e o melhor, a beleza natural de uma mulher baiana que sorri com os dentes, os olhos e o corpo quando dança samba, forró ou pagode... É claro que esses aspectos podem ser muito impressionantes para uma pessoa de um outro país que deixa o seu continente talvez pela primeira vez. Mas na verdade, existe outros lugares no mundo onde o exotismo dos trópicos e a alegria dos costumes africanos se misturam harmoniosamente sem todos os problemas de Salvador (por exemplo Reunião, uma ilha francês no oceano índico). Por isso, acho difícil aproveitar completamente a atmosfera festiva da cidade.
    O que me surpreende também, é que o autor não faz menção nenhuma de um outro aspecto muito importante do Brasil, bem visível em Salvador : a economia. O Brasil é o país do futuro. Isso é verdade. Um exemplo disso que eu gosto é o seguinte. Na frança, para uma vaga de professor da universidade tem 150 candidatos, enquanto no Brasil, não é raro de ter mais vagas de professor de que candidatos. É absolutamente incrível! Na minha opinião, é realmente isso que faz que Salvador, e mais geral o brasil, seja atraente : é uma terra de esperança.
    M.M.

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